Anticoagulação da fibrilação atrial nova no doente crítico

Publicado em 22/10/2025 por Filipe Mosca
#Problemas #Cardiologia #UTI #FA


Há benefício em anticoagular pacientes críticos (sépticos, principalmente) que abrem um quadro de fibrilação atrial durante o internamento?

As grandes diretrizes sobre o manejo da FA são direcionadas pro cenário muito específico do paciente que chega na emergência com sintomas de FA ou que descobre a arritmia no ambulatório. Não existem grandes documentos orientando o manejo da FA no doente crítico internado em leito de UTI para tratamento de outra condição e que acaba desenvolvendo uma FA secundária ao contexto da instabilidade.

Ambulatorialmente é consenso a importância da anticoagulação para prevenção de eventos tromboembólicos, mas, e no paciente crítico? Pacientes graves intáveis podem ter tanto maior risco de sangamento como um maior risco de trombose. Os clássicos escores usados pra estimar o risco de tromboembolismo (como o CHADSVA) e de sangramento (como o HAS-BLED) não foram validados para uso em terapia intensiva (e acho que nunca serão).

O primeiro material que encontrei discutindo essa problemática foi o blog do PulmCrit escrito pelo Josh Farkas1, no artigo: Atrial Fibrillation (AF) & Flutter complicating critical illness. Na sessão “anticoagulation?” ele cita um estudo de coorte de 2016 que observou um maior risco de sangramento da anticoagulação da FA em pacientes sépticos mas sem redução do risco de AVC isquêmico2. Além disso, outra coorte publicada em 20183 mostrou a mesma tendência.

Então parece razoável realmente que não seja realizada a anticoagulação nesse cenário, baseado no princípio primum non nocere, pela falta de evidência de benefício (na verdade, com mais evidência de ausência de benefício).

Citando um artigo de revisão da Chest de 20184:

Given the lack of clear benefit and the potential for harm, in critically ill patients with new-onset AF during sepsis who do not have planned cardioversion, we do not currently recommend routinely initiating parenteral anticoagulation for arterial thromboembolism prophylaxis during the acute phases of critical illness.

E citando um “Scientific Statement” mais recente, de 2023, da AHA5:

Critically ill patients with new-onset AF have a >2-fold higher risk of in-hospital ischemic stroke compared with those without AF. In patients with sepsis, however, CHA2DS2-VASc alone poorly predicts the risk for ischemic stroke. Parenteral anticoagulation in patients with acute AF and sepsis did not reduce risks for ischemic stroke and was associated with increased clinically significant bleeding in one study. Available evidence does not favor routine acute anticoagulation in patients with sepsis with acute AF.

Individualizando a conduta

Na prática, se avaliarmos que o paciente provavelmente vai cronificar da FA, pode ser benéfico tratá-lo como os demais pacientes ambulatoriais e iniciar a anticoagulação. Entretanto, o momento ideal de iniciá-la deve levar em conta o momento da doença crítica, sendo, talvez, mais oportuno iniciar quando o paciente estiver em recuperação ou, talvez, recuperado. No fim das contas vai da experiência e impressão de cada médico assistente buscando o melhor para seu paciente.

Um estudo desse ano, 2025, uma coorte retrospectiva6 avaliou o benefício de iniciar anticoagulação na alta hospitalar para pacientes que abriram quadro de FA durante adoecimento crítico. O resultado foi uma redução importante do risco de morte a longo prazo no grupo que recebeu a anticoagulação (HR 0.72, 95% CI 0.58–0.89, P = .003). Ainda assim, a questão aqui já é outra, do benefício de iniciar a anticoagulação na alta hospitalar, permanecendo a impressão de não haver benefício da anticoagulação na fase crítica do adoecimento.

Se o paciente já tinha FA prévia e já anticoagulava, é razoável manter a anticoagulação pesando o risco de sangramento, ponderando sobre a suspensão temporária.

Esse ano também foi publicada a nova diretriz brasileira da SBC sobre o manejo da FA7. Ainda não a li na íntegra mas não encontrei nenhum tópico abordando esse cenário específico da FA nos pacientes críticos.

Referências

  1. Internet Book of Critical Care (IBCC). Atrial Fibrillation (AF) & Flutter complicating critical illnessanticoagulation? April 10, 2024 by Josh Farkas. https://emcrit.org/ibcc/af/#anticoagulation? 

  2. Walkey AJ, Quinn EK, Winter MR, McManus DD, Benjamin EJ. Practice Patterns and Outcomes Associated With Use of Anticoagulation Among Patients With Atrial Fibrillation During Sepsis. JAMA Cardiol. 2016;1(6):682-690. doi:10.1001/jamacardio.2016.2181 

  3. Quon MJ, Behlouli H, Pilote L. Anticoagulant Use and Risk of Ischemic Stroke and Bleeding in Patients With Secondary Atrial Fibrillation Associated With Acute Coronary Syndromes, Acute Pulmonary Disease, or Sepsis. JACC Clin Electrophysiol. 2018;4(3):386-393. doi:10.1016/j.jacep.2017.08.003 

  4. Bosch NA, Cimini J, Walkey AJ. Atrial Fibrillation in the ICU. Chest. 2018;154(6):1424-1434. doi:10.1016/j.chest.2018.03.040 

  5. Chyou JY, Barkoudah E, Dukes JW, et al. Atrial Fibrillation Occurring During Acute Hospitalization: A Scientific Statement From the American Heart Association. Circulation. 2023;147(15):e676-e698. doi:10.1161/CIR.0000000000001133 

  6. Bianchini L, Tramujas L, Besen BAMP, et al. Anticoagulation in critically ill patients with new-onset atrial fibrillation: Insights from a retrospective cohort study. Heart Rhythm. Published online April 17, 2025. doi:10.1016/j.hrthm.2025.02.040 

  7. Cintra FD, Pisani CF, Rezende AGS, Henz BD, Armaganijan LV, Pimentel M, Lopes RD, et al. Diretriz Brasileira de Fibrilação Atrial – 2025. Arq. Bras. Cardiol. 2025;122(9):e20250618. 



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